Estava refletindo aqui sobre “medo-raíz”. Observei que algumas pessoas (eu me incluo nessa) por vezes se sentem atraídas pelo que não está (mais ou ainda) disponível. Por que?
Observei a paixão pela aventura. A volúpia do “se entregar” a um primeiro encontro. O desejo de ter só UM encontro e nada mais. Aquela magia de carnaval, sabe? Você cruza o olho, beija e segue em frente. Sabendo que não o verá mais.
Certa vez pensei que isso era coisa de brasileiro. Que nada! Ocorre de diferentes formas, em diversos lugares. Por vezes parece vazio. Por vezes parece realmente a plenitude intensa no momento em que ela dura. Óbvio. Porque traduz o grande mistério da vida: não estamos no controle de nada mesmo!
Medo-raíz. Excelente momento para falar disso porque escorpião está transitando no céu astrológico. Ele é o arquétipo perfeito da vida e da morte. O arquétipo que fala sobre a inconstância das coisas, sobre a transformação. Escorpião foi criado como constelação de nosso céu (desde tempos remotos da antiga Babilônia e do antigo Egito) para nos lembrar que todos estamos fadados a morrer um dia. Que nada dura para sempre.
Gostamos de dizer que todo(a) escorpiano(a) (ou ascendente nesse signo) tem um lado tenso. Um lado que sabe mergulhar no que há de mais sombrio e assustador da psique humana com uma naturalidade de dar inveja. Ele costuma saber o caminho daquele beco onde a AUSÊNCIA absoluta de controle habita (e tudo, absolutamente tudo pode acontecer). Sim.
Mas quem estuda à fundo astrologia sabe que todo mundo tem escorpião em algum ponto do seu mapa. Escorpião está presente no céu e em tudo o quê nos cerca. Ele é arquétipo da psique humana. Logo, o acesso à sombra, ao que há de mais temeroso em nós, não é exclusividade de “escorpianos”. Embora eles sejam mais exímios na arte, essa capacidade pertence a todos nós. E é lá que acessamos nossos medos-raíz.
As diversas faces da vida, essas a gente conhece bem. Quero ver acessar as faces da morte. A face da ausência. A face do vazio. A face do medo. A face da “despedida”, da “transformação” no sentido mais profundo do termo. Essa é para quem tem estômago!
Escorpião é um arquétipo que fala sobre a capacidade de acessar essa outra face. Mas, faço questão de lembrar: todos temos a capacidade de fazê-lo, de mergulhar à fundo e visitar essas “faces” que um dia, mais cedo ou mais tarde, teremos de encarar de novo.
Estou certa de que você já mergulhou lá uma vez ou outra em sua vida.
Então eu volto para a superfície. Para a parte mais rasa da vida porque é disso que se trata também: opostos. Observe comigo: a volúpia aluscinada e apaixonante do carnaval. O sexo. O beijo roubado para nunca mais. O intenso e efêmero. O corpo no corpo. O raso sendo a antítese do profundo. Aqui expresso como raso a volúpia da carne, a delícia inquestionável e arrebatadora de tudo aquilo que se pode sentir ao tocar. E o profundo: as emoções, os sonhos, as fantasias, os sentimentos mais profundos, a intensidade e densidade bizarramente arrebatadora também, mas que traduz tudo aquilo que sentimos sem conseguirmos TOCAR. Assim, a matéria (touro) e a emoção (escorpião). A superfície (o que aqui estou chamando de “raso”) e o profundo.
Que paixão arrebatadora é essa que me move através de aventuras que duram horas, dias ou mesmo semanas! O que me fascína e atrai ali?
Seria o apego ao passado? Seria a idealização? Seria o medo de amar? Seria a falta de crença na capacidade de amar ? Seria a paixão por mim mesma e minha liberdade e independencia? O desejo de estar no controle dos sentimentos e emoções o tempo todo?
Fato: bem mais cômodo te ter para nunca mais. Bem mais.
Bem mais cômodo viver com a lembrança daquele instante mágico.
Só não vale querer repetir a dose… porque a regra aqui é a incostância, lembra? Jamais será igual e isso mata toda a beleza da coisa. Ah, chega! Tem um trecho de um dos meus livros preferidos que traduz bem essa reflexão, creio eu. Vou partilhar aqui com vocês logo abaixo.
Tudo isso porque estava apenas buscando compreender um medo-raíz profundo que trago em mim e que ainda me é uma incógnita, na verdade. Pois é. Muita viagem, tudo isso? Bem. Espero que ao menos eu tenha te levado a refletir também. Quero dizer. E você? Onde se sente mais confortável e sob controle ? No raso ou nas profundezas?
Okay. Okay. Vamos ao trecho lindo do livro então.
Extraits du livre “Les Nourritures terrestres” de André Gide – Mercure de France, 1897, pp.45 :
Il y a des maladies extravagantes Qui consistent à vouloir ce que l’on n’a pas.
— Nous aussi, dirent-ils, nous aussi. Nous aurons connu le lamentable ennui de notre âme…… — De la caverne d’Adullam, tu soupirais, David, après l’eau des citernes. Tu disais : Ô ! qui m’apportera l’eau fraîche qui jaillit du pied des murs de Bethléem. Enfant, je m’y désaltérais ; mais maintenant elle est captive, cette eau que ma fièvre désire……
Ne désire jamais, Nathanaël, regoûter les eaux du passé.
Nathanaël, ne cherche pas, dans l’avenir, à retrouver jamais le passé. Saisis de chaque instant sa nouveauté irressemblable et ne prépare pas tes joies — ou sache qu’en son lieu préparé te surprendra une joie autre.
Que n’as-tu donc compris que tout bonheur est de rencontre et se présente à toi dans chaque instant comme un mendiant sur ta route. Malheur à toi si tu dis que ton bonheur est mort parce que tu n’avais pas rêvé pareil à cela ton bonheur — et que tu ne l’admets que conforme à tes vœux.
Le rêve de demain est une joie — mais la joie de demain en est une autre — et rien heureusement ne ressemble au rêve qu’on s’en était fait, car c’est différemment que vaut chaque chose.
Je n’aime pas que vous me disiez : viens, je t’ai préparé telle joie ; je n’aime plus que les joies de rencontre, et celles que ma voix fait jaillir du rocher ; — elles couleront ainsi pour nous, neuves et fortes, comme les vins nouveaux abondent du pressoir.
Je n’aime pas que ma joie soit parée, ni que la Sulamite ait passé par des salles ; pour l’embrasser je n’ai pas essuyé de ma bouche les taches que les grappes avaient laissées ; après les baisers, j’ai bu du vin doux sans avoir rafraîchi ma bouche — et j’ai mangé du miel de ruche avec sa cire.
Nathanaël, n’apprête aucune de tes joies.
Mas você acha que eu iria partir sem responder à pergunta inicial?
Porque amor só vale quando é incondicional. Porque a ideia de “pertencer” é uma construção do EGO. Logo, é uma bela peça que o ego nos prega para sabotar o amor. Aquele que se entrega verdadeiramente, sem medo, sem máscara, sem condição ou “contrato” lavrado em cartório (de que deve durar uma noite, ou duas, ou a vida inteira), sem expectativa. Só confiança, presença, entrega. Na real, porque essa idéia de “pertencimento” é uma grande ilusão… Porque a única coisa que nos pertence mesmo, de verdade, é o nosso propósito em ESTAR e AMAR sem esperar nada em troca. Claro que é importante que nos respeitemos e respeitemos ao outro nesse processo, né?! Tendo os dois nessa mesma página… o resto é só verdade, aprendizado e entrega.
Bora amar incondicionalmente, meu povo!
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